Opinião: Últimos Ritos de Hannah Kent



 

Na agreste paisagem islandesa, Hannah Kent traz à luz dos nossos dias a história de Agnes que, acusada do brutal assassínio do seu anterior amo, é enviada para uma quinta isolada enquanto aguarda a sua hora final.

Apavorados com a perspetiva de virem a albergar uma assassina, a família que a acolhe evita Agnes nas primeiras abordagens. Apenas Tóti, um padre designado para acompanhar Agnes nesta última caminhada e ser o seu guardião espiritual, procura compreendê-la. Mas assim que a data da morte de Agnes se avizinha, a mulher e filhas do lavrador descobrem que há uma segunda versão para a história brutal que ouviram.


Fascinante e lírica, Últimos Ritos evoca uma existência dramática num tempo e espaço distantes, dirigindo-nos a enigmática pergunta: como pode uma mulher suportar a mágoa e a injustiça quando a sua vida depende das histórias contadas pelos outros?




Este livro é extraordinário!!


Agnes é uma mulher condenada, acusada de ter assassinado dois homens. Toda a comunidade está chocada com o hediondo crime. Enquanto aguarda a validação da pena, Agnes, é transferida para o seio de uma família que não está muito contente com a hospede imposta!


A história é intensa, baseia-se na história real de Agnes, a última pessoa a ser executa na Islândia por volta de 1830 pelo cruel assassinato de dois homens. Neste livro são retratados os últimos seis meses da sua vida. É com recurso a flashbacks que revisitamos a vida de Agnes, a envolvência é imediata nesta história plena de emoções contraditórias, O livro foca também a relação de Agnes com a família que é obrigada a acolhe-la e a relação com o jovem padre que está encarregado de ser o seu guia espiritual.


Hannah Kent não se fica só pela ficção, serve-se também da pesquisa e estudo documental para construir esta brilhante história, tentando, segundo a autora, um outro ângulo da história sem contudo se afastar dos factos, oferecendo uma outra perspectiva de uma história enraizada na cultura Islandesa.


Do enredo sobressai a forma “pura” como descreve as paisagens, o ambiente e as personagens, sem adornos e revelando uma realidade de escassez e parcos recursos sediada num ambiente inóspito e agressivo. Esta descrição é de tal forma realista e assombrosa que não posso deixar de reconhecer e sublinhar a eloquente qualidade da narrativa da autora. 


A escrita da autora não deixa ninguém indiferente. Uma escrita dinâmica, viva e acolhedora que fluí e embriaga o leitor. 


O enredo é simples, coerente e com uma profundidade extasiante. Entreguei-me desde as primeiras páginas sem qualquer resistência. E ainda me sinto envolvido pela história, pela sua grandiosidade e generosidade. Gostei da forma intencional como algumas cenas e a própria evolução da história nos levam a questionar o desfecho da história ainda que haja desde logo um fim anunciado.


(deixo um vídeo extraordinário do booktrailer)




Uma narrativa tocante, terna e perturbadoramente bela. 


Agnes é uma personagem extraordinária, um exemplo de caracterização, que revela humanidade, contradições, os receios e a revolta pela sua condição. A sua voz* é singular e autêntica.


A minúcia utilizada para a descrição do estado físico e psicológico em que Agnes se encontra antes de ser transferida para a quinta é um ponto alto que denota um trabalho árduo e cuidado resultando um efeito gratificante para o leitor. São estes pequenos (grandes) detalhes que diferenciam este livro e originam uma empatia imediata com as personagens. Numa entrevista a autora refere o seguinte « eu queria descobrir alguma da sua (Agnes) humanidade, e explorar as contradições, a sua ambiguidade», estou plenamente convicto que alcançou eficientemente o seu propósito.



No final do livro, nos agradecimentos a autora diz o seguinte: "Espero que vejam este romance como a carta de amor negro à Islândia que pretendi que fosse.» Não posso deixar de pensar que esta frase diz tanto sobre este livro, de como o senti...

O bom é que existe um contrato para um novo livro da autora.

Imperdível



*referência não textual à sonoridade, mas sim à incorporação e desenvolvimento realista, natural e coerente da personagem tendo em conta a sua atitude, os seus actos, as suas acções, as suas reacções, ...



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